Adiel Pereira Alcântara, ex-coordenador de inteligência da Polícia Rodoviária Federal (PRF), afirmou em depoimento, nesta segunda-feira (19), que ouviu uma ordem do então diretor de operações da PRF, Djairlon Henrique Moura, para que a inteligência do órgão atuasse para reforçar abordagens de ônibus e vans durante as eleições de 2022.
A orientação da chefia era que a PRF deveria "tomar um lado", por determinação do diretor-geral.
O depoimento ocorreu durante audiência no Supremo Tribunal Federal (STF), presidida pelo ministro Alexandre de Moraes. Adiel falou como testemunha de acusação na ação penal.
?O Supremo investiga a existência de uma trama golpista para manter o ex-presidente Bolsonaro no poder, apesar da derrota nas urnas em 2022. As investigações foram abertas após denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Bolsonaro e outros 33 alvos, acusados de planejar um golpe de Estado.
Na denúncia, a procuradoria afirma que o grupo usou recursos da PRF e do Ministério da Justiça para tentar barrar o voto de possíveis eleitores de Lula, na data do segundo turno. O ex-diretor-geral da corporação, Silvinei Vasques, é réu no processo.
“Entre as pautas que foram discutidas na reunião, o inspetor de Djairlon, que era o diretor de operações, ele pediu um apoio ao diretor de inteligência, inspetor Reischak, para que a inteligência apoiasse a área de operações no indicativo de abordagens de ônibus e vans que tinham como origem os estados de Goiás, São Paulo, Minas e Rio de Janeiro e destino no Nordeste”, afirmou.
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Silvinei Vasques, ex-diretor da PRF, durante depoimento à CPI dos Atos Golpistas — Foto: Evaristo SA / AFP
Questionado na oitiva, Adiel disse que questionou o diretor sobre o porquê de as abordagens mirarem apenas veículos desses estados e com destino ao Nordeste.
E ouviu como justificativa que eram estados com alta incidência de acidentes em períodos de longos fluxos.
“Eu não me convenci, e transpareci que eu achei estranho aquela ordem. E ai ele falou, não sei qual foi contexto que ele falou, mas ele falou mais ou menos o seguinte: 'Tem coisas que são e tem coisas que parecem ser. Está na hora da PRF tomar lado. A gente tem que fazer jus das funções de direção e aquilo era uma determinação do diretor-geral”'.
A testemunha destacou ainda que a ordem foi reiterada no dia seguinte, pelo então diretor de inteligência Reischak, em novo encontro que reuniu diretores de inteligência dos estados.
"Nessa reunião, o inspetor Reischek pegou esse pedido de apoio da diretoria de inteligência e repassou para as unidades regionais de inteligência. Ele repassou essa determinação do inspetor Djairlon, diretor de operações, para os ‘Ceints’ (chefes de serviços de inteligência dos estados)", prosseguiu.
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Alexandre de Moraes durante leitura de seu voto na 1ª Turma do STF — Foto: Antonio Augusto/STF
Moraes cobrou general: 'Ou mentiu à PF, ou mentiu aqui'
Também durante a audiência, o presidente da audiência e relator do processo, Alexandre de Moraes, advertiu o general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, durante o depoimento dele.
O ministro viu contradições nos depoimentos. Freire Gomes foi questionado sobre uma reunião em que Bolsonaro teria apresentado a minuta golpista. Lá, ele e o então comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, teriam se manifestado contra o suposto golpe de Estado.
"Eu estava focado na minha lealdade de ser franco ao presidente [Bolsonaro, na época] do que nós pensávamos. O brigadeiro também foi contrário a qualquer coisa naquele momento", relatou.
"E, como fui muito enfático naquele momento, que eu me lembro ,o ministro da Defesa ficou calado, e o almirante Garnier [da Marinha] apenas demonstrou o respeito ao [presidente, que é] comandante chefe das Forças Armadas, não interpretei como qualquer tipo de conluio", afirmou o ex-comandante do Exército.
Moraes, então, advertiu o general sobre uma possível mudança em relação ao testemunho dado à PF.
??Em março de 2024, o general disse à polícia que, em uma reunião em que participaram os comandantes das Forças e o presidente, foi apresentada uma versão de um decreto que incluía decretação de Estado de Defesa e a criação de uma comissão de regularidade eleitoral.
??Na época, segundo Freire Gomes, ele e "o Brigadeiro Baptista Junior afirmaram de forma contundente suas posições contrárias ao conteúdo exposto; que não teria suporte jurídico para tomar qualquer atitude; que, acredita, pelo que se recorda, que o Almirante Garnier teria se colocado à disposição do Presidente da República".
Nesta segunda, Moraes enfatizou: "Antes de responder, pense bem. A testemunha não pode deixar de falar a verdade. Se mentiu na polícia, tem que falar que mentiu na polícia. Não pode agora no STF dizer que não sabia... Ou o senhor falseou a verdade na polícia ou está falseando aqui", disse o ministro.
Freire Gomes então respondeu: "Com 50 anos de Exército eu jamais mentiria. Eu e o brigadeiro Baptista Júnior nos colocamos contrários ao assunto, que eu não me recordo da posição do ministro da defesa e que o almirante [Garnier] ficou com a postura de ficar com o presidente, eu só não posso inferir o que é estar com o presidente. Ele disse que estava com o presidente agora a intenção do que ele quis dizer com isso não me cabe".
Depoimentos
O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a ouvir, nesta segunda-feira (19), as testemunhas na ação penal que investiga a existência de uma trama golpista para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder após a derrota nas urnas, em 2022.
Relator do caso, Alexandre de Moraes preside a audiência. Além dele, os demais ministros da Primeira Turma acompanham os depoimentos: Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino. Eles são os responsáveis por julgar o caso.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, e os réus Jair Bolsonaro e Braga Netto também acompanham as oitivas.
Neste primeiro momento, serão ouvidas as testemunhas indicadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
A lista da PGR inclui cinco testemunhas:
- Éder Lindsay Magalhães Balbino, dono de uma empresa que teria auxiliado na produção de um material com suspeitas infundadas sobre as urnas eletrônicas;
- Clebson Ferreira de Paula Vieira, servidor que teria elaborado planilhas que supostamente foram utilizadas por Anderson Torres para mapear a movimentação de eleitores no segundo turno das eleições de 2022;
- Adiel Pereira Alcântara, ex-coordenador de inteligência da Polícia Rodoviária Federal, que teria atuado para dificultar o deslocamento de eleitores nas eleições de 2022;
- Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército;
- Carlos de Almeida Baptista Júnior, ex-comandante da Aeronáutica.